Região Metropolitana de Baixada Santista
A defesa do direito à cidade é um direito coletivo, direito a tudo que a cidade pode oferecer para a reprodução da vida social. Todavia, a defesa desse direito é atravessada por determinações históricas das relações capitalistas que produzem e reproduzem possibilidades e, ao mesmo tempo, práticas de exploração e de valorização do capital. Os artigos que integram o presente livro pretendem pontuar esse processo na Região Metropolitana da Baixada Santista, ressaltando os desafios que se apresentam face aos princípios fundantes da reforma urbana e do direito à cidade. São capítulos baseados em pesquisas que evidenciam a necessidade de se pensar a cidade a partir dos sujeitos que nela habitam.
Um conjunto de artigos trata da relação porto-cidade e suas contradições, expressas na riqueza produzida e no acesso aos direitos negado à população pauperizada e em situação de rua. Outros, tratam da realidade da Baixada Santista e os desafios do sistema de abastecimento de gás, da redução do lixo e encaminhamento dos resíduos de forma correta. Alguns artigos privilegiam o Porto de Santos, como lócus do projeto ultraliberal, discutem a legislação urbanística flexibilizada para atender a interesses particulares, ressaltam o Plano de Passagens de Santos e a importância do estímulo às formas ativas de deslocamento no espaço urbano.
O desafio de pensar a cidade e os sujeitos que nela habitam está presente em artigos que tratam da urbanização e desenvolvimento das cidades brasileiras, analisam a produção e inserção territorial dos programas habitacionais, refletem sobre a educação e a segregação socioespacial que provoca a ausência do direito à cidade, e desenvolvem uma discussão aprofundada sobre a criminalização dos movimentos sociais. São artigos que provocam o pensamento crítico, nestes tempos de ausência de direitos, a pensar propostas que possam direcionar nossas expectativas para uma reforma urbana, sob uma agenda de defesa do direito à cidade.
Organização: Tânia Maria Ramos de Godoi Diniz, Marinez Villela Macedo Brandão e José Marques Carriço
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Sumário
Capítulo 1 | Desenvolvimento e desigualdades: impasses para o direito à cidade na Região Metropolitana da Baixada Santista. Autores: Tânia Maria Ramos de Godoi Diniz (UNIFESP) e Helton Saragor de Souza (UNIFESP)
Capítulo 2 | População em situação de rua e o direito à cidade: a contagem como instrumento de luta política em tempos de distopia. Autores: Sônia Regina Nozabielli (UNIFESP), Terezinha de Fátima Rodrigues (UNIFESP), Débora Galvani (UNIFESP), Gabriela Pereira Vasters (UNIFESP) e Luzia Fátima Baierl (UNIFESP)
Capítulo 3 | Saúde socioambiental na Baixada Santista. Autores: Jeffer Castelo Branco (UNIFESP), Rafaela Rodrigues da Silva (UNIFESP), Paulo José Ferraz de Arruda Júnior (FATEC) e Silvia Maria Tagé Thomaz (UNIFESP)
Capítulo 4 | Território e Meio Ambiente e Risco: avaliação de impacto na saúde (AIS) na Região Metropolitana da Baixada Santista. Autores: Marinez Villela Macedo Brandão (UNIFESP) e Fernanda Teles Gonzalez (UNIFESP)
Capítulo 5 | Reprimarização da economia, impactos ambientais e riscos tecnológicos no Complexo Portuário de Santos: elementos para uma agenda de pesquisas. Autores: Marina Ferrari de Barros (Universidade Federal do ABC) e Jose Marques Carriço (BrCidades Baixada Santista)
Capítulo 6 | Coalizão para a produção monopolista de novas centralidades em Santos/SP. Autores: José Marques Carriço (BrCidades Baixada Santista)
Capítulo 7 | Calçadões através de prédios: reforma urbana e direito à cidade no Plano de Mobilidade do município mais verticalizado do país. Autores: Diogo Damasio Gomes da Silva (Prefeitura Municipal de Santos), Marina Ferrari de Barros (Universidade Federal do ABC), Otávio Amato Souza Dias (Prefeitura Municipal de Santos) e José Marques Carriço (BrCidades Baixada Santista)
Capítulo 8 | O desmonte do planejamento e gestão regionais do estado de São Paulo no contexto da inflexão ultraliberal: o caso da Região Metropolitana da Baixada Santista. Autores: Sania Cristina Dias Baptista (ex-Emplasa) e José Marques Carriço (BrCidades Baixada Santista)
Capítulo 9 | Produção de moradia popular na Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) entre 2009 e 2021: uma análise dos programas Minha Casa, Minha Vida e Casa Verde Amarela, sob efeitos das crises econômica e política. Autores: Leonardo Moretti Manço (UNIFESP) e Daniel Arias Vazquez (UNIFESP)
Capítulo 10 | Currículo Santista: potencialidades para a transversalidade do Direito à Cidade. Autores: Ana Cristina Valcárcel Vellardi (SEDUC/Prefeitura Municipal de Santos), Mauricio Marcolino dos Santos (UNIFESP) e Pedro Henrique Mendes Fernandes (UNIFESP)
Capítulo 11 | Autoritarismo brasileiro; repressão e criminalização dos movimentos e lutas populares. Autores: Mario Miranda Antonio Junior (UFABC)
Capítulo 12 | A cidade em disputa: conflito pela terra urbanizada e a negação do direito à cidade. Autores: Gabriela Ortega (IBDU) e Maria Carolina Maziviero (UFPR)
Capítulos
Capítulo 1 | Desenvolvimentos e desigualdades: impasses para o direito à cidade na Região Metropolitana da Baixada Santista. Autores: Tânia Maria Ramos de Godoi Diniz (UNIFESP) e Helton Saragor de Souza (UNIFESP)
A constituição do porto de Santos, na década de 1880, é um elemento histórico fundamental da conformação socioespacial da cidade de Santos, e a reestruturação urbana e o saneamento da cidade (hoje parte diminuta) no entre séculos XIX e XX é decorrente desse processo. Assim como toda estrutura rodoferroviária da cidade com o território nacional do século XX, ou seja, Santos é o enlace terrestre de parte significativa da economia primário exportadora (agrária, extrativista etc.). Todavia, na cidade para além do porto, existem populações com níveis de vida qualitativamente muito desiguais. A faixa residencial próxima a orla oferece toda uma estrutura de serviços e possibilidades de vida que são propagados pelos numerosos idosos que vivem na cidade, considerada como uma das melhores do país, mas por trás da apologética da qualidade de vida para poucos ou do porto como monumento do progresso e riqueza da cidade, temos uma cidade cindida pelas condições de pobreza e acessos negados à cidade em parte significativa dos bairros.
O porto e os territórios populares, como componentes de uma unidade de análise das desigualdades e desenvolvimentos configuram as dinâmicas de trabalho, da proteção social, de moradia e de acesso aos serviços públicos para segmentos da classe trabalhadora da Baixada Santista. A relação do porto com a cidade revela uma característica conflitiva fundamental do espaço urbano: a prioridade é da circulação de mercadorias em detrimento da circulação ou mesmo da existência das pessoas nesse “pedaço de chão”. A partir da hierarquia da circulação mais rápida de mercadorias ou de rotação do capital, os espaços necessários para a expansão e de incremento na eficiência do porto são priorizados em detrimento das populações.
Nesse contexto, o artigo pretende identificar e analisar as contradições presentes, a partir da seguinte questão: se o complexo portuário de Santos é estratégico para o capital mundializado e financeirizado, quais são as características da apropriação capitalista do espaço urbano que combina a circulação de mercadorias com a especulação imobiliária? Quais os impactos dessa dinâmica de concentração de capital na vida de segmentos da classe trabalhadora tanto na dimensão do trabalho (índice de desemprego, subutilização da força de trabalho, trabalho informal e empregos precários) quanto nas condições de vida: fome/insegurança alimentar; expectativa de vida, baixa escolarização, mortalidade infantil, índices de violência ? Quais são as alternativas sociais possíveis de socialização dos valores transitados no porto com a defesa do a importância da defesa do direito à cidade para todos/as.
Capítulo 2 | População em situação de rua e o direito à cidade: a contagem como instrumento de luta política em tempos de distopia. Autores: Sônia Regina Nozabielli (UNIFESP), Terezinha de Fátima Rodrigues (UNIFESP), Débora Galvani (UNIFESP), Gabriela Pereira Vasters (UNIFESP) e Luzia Fátima Baierl (UNIFESP)
A assim chamada “população em situação de rua” (PSR) compõe um fenômeno social e histórico complexo cada vez mais observado nas cidades brasileiras. A expressão de suas cotidianidades demonstra as desigualdades no espaço urbano e nos coloca a pergunta: direito à cidade? Direito de quem? A heterogeneidade e a complexidade da PSR expõem a pauperização da população, alijada do circuito de produção do valor e as fissuras de um sistema que firma a cidade como um lócus de desenvolvimento econômico induzida pela racionalidade neoliberal. Esses processos fragilizam laços de solidariedade de classe e de pertença daqueles/as que não orbitam na lógica do consumo. Ainda que incontáveis e invisibilizados/as, a PSR é um “gráfico sempre crescente”* lido por quem acompanha a dinâmica das cidades. A pandemia de Covid-19 asseverou a desigualdade econômica e social e seus efeitos ainda mais dramáticos na classe trabalhadora. Registros dão conta de um “novo” perfil, marcado por famílias inteiras nas ruas, de desempregados/as, endividados/as, expulsos da moradia por impossibilidade de pagar aluguel, despejados/as de ocupações, que, sem renda e sem proteção social pública, fazem das ruas, o espaço do viver. Situação que para muitos/as causa indignações: como ousam ficar nas ruas? Por que mostram suas misérias no espaço público? Perguntas que apontam uma violência em relação à existência da PSR e, ao mesmo tempo, demonstram que as respostas institucionais do Poder Público têm sido insuficientes e precárias e, com frequência, repressivas, higienizadoras e violadoras do direito à cidade. Quem são? Quantos são? Responder a essas indagações e produzir conhecimentos é central nas disputas pelo direito à cidade, por contribuir com a problematização crítica e combater a explicação que tende a naturalizar e a responsabilizar a própria PSR por viver nas ruas. Devido à sua invisibilidade, o MDS fez o I Censo, entre 2007 e 2008 em 71 cidades e o IPEA analisou informações do SUAS e do CadÚnico e publicou estimativas em 2015 e 2020. Alguns municípios realizaram Censos, a exemplo de São Paulo, Santos e Belo Horizonte. Essa invisibilidade social da PSR no Censo do IBGE, pelos desafios metodológicos de contar os “sem domicílio”, contribui para que os números levantados pelos municípios estejam sob suspeita e questionamento. Assim, quem ousa fazer o Censo municipal para firmar a problematização crítica do fenômeno precisa responder às investidas conservadoras de despolitização e desacreditação nos dados. Contudo, pesquisas censitárias são insumos para as disputas da agenda política e do fundo público. No caso da PSR, a visibilidade política do fenômeno pode se transformar em instrumento fortalecedor das lutas pelo direito à cidade.
Capítulo 3 | Saúde socioambiental na Baixada Santista. Autores: Jeffer Castelo Branco (UNIFESP), Rafaela Rodrigues da Silva (UNIFESP), Paulo José Ferraz de Arruda Júnior (FATEC) e Silvia Maria Tagé Thomaz (UNIFESP)
O primeiro princípio da Declaração de Estocolmo (1972), da Declaração do Rio (1992), assim como o artigo 225 da Constituição Federal Brasileira (1988) e a recente resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) na sua 48ª sessão (2021), reconhecem a proteção do meio ambiente como um Direito Humano para a promoção do bem-estar humano e para alcançar o mais alto padrão de saúde física e mental para as gerações presentes e futuras.
A recente Resolução supracitada reconhece que as consequências dos impactos ambientais são sentidas de forma mais aguda pelos segmentos mais vulneráveis da população, incluindo idosos, pessoas com deficiência, mulheres e crianças. Por décadas assistimos com entusiasmo o reconhecimento um meio ambiente equilibrado e adequado para a produção e a reprodução da vida como a conhecemos, no entanto, as políticas públicas não promovem com eficácia e eficiência as mudanças no sistema. Apesar dos objetivos de Desenvolvimento Sustentável, as políticas locais não observam adequadamente em suas ações e permissões as interfaces, ambiental, econômica e social, de modo a ter o meio ambiente como um Direito Humano de fato.
A fim de lançar luz sobre esse descompasso entre o que se pensa e escreve e o que se interpreta e executa, observamos a maneira de como vem se processando o modo de produção, suas consequências ao tripé do Desenvolvimento Sustentável e seus reflexos na Baixada Santista. Projetos como termelétricas, incineradores, cava subaquáticas, terminais urbanos de nitrato de amônio e navios metaneiros, áreas que permanecem contaminadas, expansão energética pela matriz fóssil, são exemplos trazidos nesse capítulo do choque entre a teoria e decisões multilaterais e a prática da elaboração e aplicação das políticas públicas o é determinante para quebra do Direito Humano a um ambiente equilibrado essencial à sadia qualidade de vida.
O Núcleo de Estudos Pesquisa e Extensão em Saúde Socioambiental da Universidade Federal de São Paulo, no Campus Baixada Santista, vem atuando desde 2010, nas questões que envolvem as demandas ambientais da região. Ao longo desse período foi possível identificar os pontos críticos, construir parcerias, contextualizar a realidade local e colocar a universidade à serviço da comunidade com ações de ensino, pesquisa e extensão, fortalecendo os movimentos sociais ambientalistas em suas articulações e lutas. O trabalho realizado em equipe interdisciplinar, se desenvolveu em conjunto àqueles que defendem a superação da realidade injusta e o meio ambiente sustentável. Nossa abordagem relata, a partir dessa experiência, as construções e reflexões ao longo desse período e visa subsidiar possíveis intervenções que venham colaborar para uma sociedade mais justa econômica e socialmente saudável para todos, não só para alguns.
Capítulo 4 | Território e Meio Ambiente e Risco: avaliação de impacto em saúde (AIS) na Região Metropolitana da Baixada Santista. Autores: Marinez Villela Macedo Brandão (UNIFESP) e Fernanda Teles Gonzalez (UNIFESP)
Esse artigo apresenta os resultados de um estudo exploratório teórico-metodológico para dimensionar os riscos à saúde devido a fatores ambientais na Região Metropolitana da Baixada Santista. Para isso, se propôs um a Avaliação de Impacto em Saúde (AIS) na área do entorno de um dos depósitos de resíduos químicos de organoclorados em São Vicente no bairro Quarentenário/Jardim Irmã Dolores. Resíduos tóxicos foram depositados clandestinamente na Rua Onze, no bairro Quarentenário, no município de São Vicente pela Indústria Química Rhodia e está instalado no local desde 1970 até atualmente. As substâncias tóxicas presentes na região são denominadas Organoclorados, compostos de Carbono, Hidrogênio e Cloro e sua ação permeia desde diferentes níveis no organismo e diversos órgãos, desde o nível celular, até o Sistema Nervoso Central (SNC). Uma das principais características desses produtos é que são tóxicos neurotrópicos, ou seja, em virtude da alta solubilidade nos lipídeos, condicionam a acumulação nos centros nervosos, fígado e tecidos gordurosos (OMS, 1982) .
A pesquisa permitiu estabelecer relações entre as condições de vida e o território dos moradores e da situação de risco relacionados a problema de saúde e necessidades de atendimento especializado para essa população. Com isso, foi possível identificar a necessidade de intervenção dos setores públicos na elaboração em políticas de saúde específicas para os moradores deste lugar. Uma prospectiva que trata de avaliar os impactos em saúde associados as políticas para maximizar o acesso a saúde em um determinado território. Para esse estudo foi selecionado uma localidade, a rua Onze, também chamada rua da Rhodia por terminar em frente ao portão de entrada de um dos depósitos de organoclorados, dessa empresa. A aproximação do território e um conhecimento das percepções dos moradores com relação ao Depósito de organoclorados e relatos das vivencias individuais e coletivas do território.
Capítulo 5 | Reprimarização da economia, impactos ambientais e riscos tecnológicos no Complexo Portuário de Santos: elementos para uma agenda de pesquisas. Autores: Marina Ferrari de Barros (Universidade Federal do ABC) e José Marques Carriço (BrCidades Baixada Santista)
No Brasil, os impactos das transformações produtivas recentes estão no centro da agenda ambiental, especialmente nas fronteiras de expansão do agronegócio. Enquanto a redução da cobertura vegetal nativa é objeto de denúncias e estudos, são pouco compreendidas as consequências da ampliação da demanda por investimentos de infraestrutura pelo setor agropecuário nos municípios portuários brasileiros. Esses investimentos produzem impactos ambientais associados ao aumento do risco tecnológico, devido à operação e ao transporte de produtos perigosos, em grande parte insumos do agronegócio. Em um contexto de pressão desse setor para flexibilizar o licenciamento ambiental, a adequação dos espaços portuários e retroportuários para operar cargas como granéis sólidos vegetais e fertilizantes tornou-se imposição política, em um país em crise econômica. Essas transformações são acompanhadas por aparato ideológico, com utilização da mídia para conquistar o apoio de comunidades locais, fragilizadas por anos de crise e portanto suscetíveis ao discurso da geração de emprego. Assim, busca-se estudar o caso do maior e mais dinâmico complexo portuário do país, Santos, no litoral paulista, visando lançar luz nas transformações das áreas portuárias e retroportuárias, com objetivo de ampliar a movimentação de produtos vinculados ao agronegócio, analisando seus impactos socioambientais e riscos tecnológicos. Procura-se, também, avaliar em que medida o planejamento municipal do uso e da ocupação do solo sujeita o direito à cidade à demanda do setor portuário, relação conflituosa entre porto e cidade, que contribui para criar territórios que afetam desigualmente os diversos grupos sociais. Este conflito provoca degradação urbana em áreas contíguas ao porto originalmente residenciais, contribuindo para surgimento de lotes vazios ou subutilizados, que não cumprem a função social da propriedade, na contramão do desenvolvimento de áreas portuárias nos países do capitalismo central que já apartaram seus portos de áreas urbanas. Assim, recuperando-se o histórico de transformações institucionais e normativas do sistema portuário brasileiro, procura-se apresentar as mudanças regulatórias e operacionais pelas quais o complexo portuário de Santos vem passando nas últimas décadas. Discute-se a relação porto-cidade quanto aos impactos e riscos mencionados, procurando avaliar as lacunas legais que devem ser preenchidas para garantir não apenas a discussão pública e participação social nas decisões locacionais, mas também alternativas possíveis de mitigação de impactos, os quais devem se constituir em uma agenda de pesquisas voltadas ao aprofundamento da discussão acerca dos impactos e riscos diversificados às vizinhanças, como suspensão de particulados, geração de trânsito rodoferroviário e de gases estufa, contaminação de cursos d’água, produção de ruídos e riscos associados ao transporte e armazenamento de produtos perigosos e outros.
Capítulo 6 | Coalizão para a produção monopolista de novas centralidades em Santos/SP. Autores: José Marques Carriço (BrCidades Baixada Santista)
Este trabalho analisa como opera coalizão formada por empresários, políticos, gestores municipais e imprensa, desde os anos 1990, visando garantir a produção de novas centralidades, no município de Santos, polo da Região Metropolitana da Baixada Santista e sede do principal porto do país. Este estudo apoia-se nas teorias da “máquina do crescimento urbano”, das “cidades de exceção” e dos “regimes urbanos”. Na primeira, desenvolvida por Harvey Molotch, para cidades americanas, a despeito das diferenças de contexto, foi possível encontrar similaridades na atuação das coalizões que buscam garantir condições de monopólio na criação e exploração econômica de centralidades terciárias e empreendimentos imobiliários. O conceito de “Cidade de Exceção”, formulado por Carlos Vainer, seria uma forma de democracia direta do capital, que tem nas operações urbanas, instrumento instituído pelo Estatuto da Cidade, um elemento de flexibilização das normas urbanísticas. Embora os casos aqui estudados possuam características semelhantes dessas operações, não resultam de processos de participação democrática, como requer a norma federal. Também encontrou-se elementos comuns entre o caso de Santos e a “Teoria dos Regimes Urbanos”, desenvolvida por Clarence Stone, cientista político de matriz weberiana. Neste caso, buscou-se avaliar com qual tipologia de regime o caso de Santos apresenta maior similaridade. Utilizando pesquisa empírica e documental, avalia-se como mudanças na Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo na Área Insular de Santos e ações de órgãos públicos de várias esferas favoreceram um grupo empresarial, garantindo monopólio na criação de novas centralidades, em processo que reconfigurou setores urbanos, tornando-os mais valorizados pelo mercado imobiliário, ampliando a competição com a esvaziada área central da cidade. Assim, recuperou-se o histórico da atuação da coalizão que levou a mudanças da norma urbanística, levando a importantes transformações nos bairros Campo Grande, Aparecida e Ponta da Praia. A competição das novas centralidades com a fragilizada área central de Santos fica mais evidente a partir da análise do processo de seu esvaziamento continuo, desde a primeira metade do século XX, com o deslocamento da população residente para bairros ao sul da zona leste da cidade, junto à orla marítima. Observa-se que as mencionadas coalizões agiram para garantir as referidas condições de monopólio, tendo como elemento estratégico a sucessiva alteração da legislação urbanística do município apoiada em narrativa ideologizada, que influencia a opinião pública local, a favor dos empreendimentos analisados. O fato novo, que confronta as ações da coalizão, é a atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo, que por meio de ação civil pública, julgada procedente em primeira instância, obteve o reconhecimento de uma série de ilegalidades cometidas pelos agentes públicos envolvidos e pelo grupo econômico beneficiado.
Capítulo 7 | Calçadões através de prédios: reforma urbana e direito à cidade no Plano de Mobilidade do município mais verticalizado do país. Autores: Diogo Damasio Gomes da Silva (Prefeitura Municipal de Santos), Marina Ferrari de Barros (Universidade Federal do ABC), Otávio Amato Souza Dias (Prefeitura Municipal de Santos) e José Marques Carriço (BrCidades Baixada Santista)
A partir da recuperação do contexto da revisão da legislação urbanística de Santos/SP, na década passada, apresenta-se a experiência desse município na elaboração de seu Plano de Mobilidade e Acessibilidade Urbanas, em especial quanto ao Plano de Passagens de pedestres, aprovado em lei como parte do primeiro em 2019. Trata-se de uma rede de circulações públicas intraquadras, atravessando imóveis tanto públicos quanto privados a fim de resolver impasses da mobilidade a pé presentes na estrutura viária do município mais verticalizado do país, com espaço urbano de caráter compacto e consolidado. Em determinados locais da cidade, o Plano exige que novos edifícios dediquem parte do térreo a travessias públicas com características de calçadão. Já em outros locais, é estimulada a abertura de recuos laterais de imóveis já construídos, ou assegurada a permanência de circulações já abertas ao público, caso das galerias comerciais concentradas no bairro do Gonzaga, por exemplo. Entretanto, diferentemente das galerias e de boa parte das iniciativas contemporâneas ligadas à caminhabilidade, as Passagens incidem em toda a área urbana, garantindo o direito de deslocamento seguro e a ampliação da possibilidade de apropriação coletiva dos espaços e da paisagem, por parte substancial da população, que faz uso de modos ativos de deslocamento. A incidência em áreas com perfis de uso e ocupação variados poderá propiciar também resultados incomuns em diversas tipologias de empreendimentos contemporâneos, que, públicos ou privados, correspondem muitas vezes à mesma cultura de segregação e controle, como o condomínio-clube, o gueto habitacional e a escola-prisão, entre outros que poderão mesmo que pontualmente assumir certa urbanidade, entendida como abertura, física e simbólica, ao diferente e ao não pré-determinado. No mesmo sentido, a legislação traz um conjunto de parâmetros, espaciais e de conduta, que zelam para que as novas passagens sejam facilmente identificadas como espaços urbanos, como calçadões em que a cidade possa ser exercida como um direito, para além da circulação e da reprodução. Num município marcado pelo predomínio praticamente inconteste de incorporadoras imobiliárias no direcionamento das políticas urbanas, não deixa de ser surpreendente este avanço institucional, nem de ser previsível que ainda durante a elaboração e, agora, após a aprovação do plano, agentes do mercado imobiliário e da própria administração pública o ponham em xeque, promovendo mudanças na norma ou pressionando pela sua inobservância, o que requer a intervenção daqueles que, tendo consciência da proposta, possam atuar em sua defesa e desenvolvimento. De qualquer forma, para além do caso de Santos, a interpenetração de espaços públicos e privativos contida nas passagens pode ser solução de interesse a lutas por reforma urbana e direito à cidade em contextos de consolidação e adensamento urbano, como os que crescentemente ocorrem nas regiões metropolitanas brasileiras.
Capítulo 8 | O desmonte do planejamento e gestão regionais do estado de São Paulo no contexto da inflexão ultraliberal: o caso da Região Metropolitana da Baixada Santista. Autores: Sania Cristina Dias Baptista (ex-Emplasa) e José Marques Carriço (BrCidades Baixada Santista)
A institucionalização da Região Metropolitana da Baixada Santista ocorreu após intensa mobilização que permitiu levar ao então governador Mario Covas, uma pauta regional pactuada e discutida publicamente. Como consequência foi aprovada a Lei Complementar 815/96, que criou a primeira RM fora de capital de estado e previa uma estrutura de governança regional composta por Conselho de Desenvolvimento (CONDESB), Agência autárquica e Fundo regional, ainda com hegemonia do governo estadual, que jamais aceitou ampla participação da sociedade civil. Somente em 2015 foi aprovado o Estatuto da Metrópole que prevê a participação da sociedade na estrutura de governança interfederativa e determina que cada unidade regional elabore seu Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado. A RMBS saiu na frente e teve seu PDUI aprovado pelo CONDESB no final de 2017. A minuta, que previa a integração ao PDUI do macrozoneamento do Zoneamento Ecológico Econômico da Baixada Santista de 2013 e criação de um sistema de monitoramento e acompanhamento, foi encaminhada ao governador, que nunca a enviou à Assembleia Legislativa de São Paulo, para ser transformado em lei, conforme previsto no Estatuto da Metrópole. A partir do governo Doria completa-se o desmonte das estruturas de planejamento regional destruindo o acúmulo de conhecimento sobre as RMs. A elaboração inconclusa dos PDUIs da RMBS e da RM de São Paulo foram o último suspiro de planejamento paulista. A “nova” regionalização proposta é marcada pelo clientelismo das emendas parlamentares e prioriza a realização de convênios em separado com cada prefeitura, ao invés de trabalhar de forma colaborativa e transparente nos conselhos regionais. Afinal, o planejamento e a transparência dificultam a política clientelista, por isso precisam ser evitados. O PLC 14/2022, que propõe adequações na Organização Regional do Estado, se aprovado, completará o quadro de desmonte, eliminando as agências regionais e concentrando ainda mais o poder político e econômico do estado. É preciso que a sociedade se mobilize em defesa do pacto interfederativo que emergiu do Estatuto da Metrópole, com avanços na governança e no planejamento das funções públicas de interesse comum. É necessário ir além de planos episódicos e buscar um processo permanente de planejamento, que contemple participação e controle social nas suas instâncias de gestão e monitoramento, de modo a garantir o direito à cidade e a permanência das intenções para além do calendário eleitoral. Deve-se desenvolver novos instrumentos de gestão e acompanhamento das ações planejadas de forma coletiva e compartilhada, com novas métricas de avaliação dos resultados. É necessário garantir recursos e, principalmente, o efetivo desembolso para implementação das ações propostas. É imperativo buscar a integração de fundos atualmente dispersos em convênios e emendas, avançando para uma territorialização das peças orçamentárias dos três níveis dos entes federados.
Capítulo 9 | Produção de moradia popular na Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) entre 2009 e 2021: uma análise dos programas Minha Casa, Minha Vida e Casa Verde Amarela, sob efeitos das crises econômica e política Autores: Leonardo Moretti Manço (UNIFESP) e Daniel Arias Vazquez (UNIFESP)
Nesse capítulo, observaremos as características da produção habitacional do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e do Programa Casa Verde e Amarela (PCVA) na Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS). Serão analisadas a dinâmica da provisão de moradias, as formas de inserção desses empreendimentos no território metropolitano e as possibilidades de romper com a lógica da produção de moradia popular distante e socialmente segregada. Desse modo, a primeira parte faz um balanço quantitativo das Unidades Habitacionais contratadas entre 2009 e 2021, com o objetivo de identificar possíveis alterações na oferta de moradia popular em nível local, em resposta às diferentes diretrizes da política habitacional nacional, considerando os diferentes mandatos em nível federal. Na segunda parte, analisaremos a correlação entre a localização desses empreendimentos e a do déficit habitacional, a fim de verificar o padrão de inserção no espaço urbano dos empreendimentos por faixa de renda. Por último, faremos uma análise na dimensão intraurbana do município de Santos a partir do empreendimento Condomínio Vanguarda 2, construído por meio do PMCMV Entidades no centro da cidade de Santos em um padrão oposto ao segregado e periférico da maioria dos conjuntos habitacionais. Como resultado, pretende-se discutir se a boa inserção urbana e a articulação junto aos movimentos sociais, ambas presentes nesse empreendimento, formam uma alternativa viável para a construção de uma política urbana democrática e popular que dialogue com a reforma urbana e tenha no horizonte o direito à cidade.
Capítulo 10 | Currículo santista: potencialidades para a transversalidade do Direito à Cidade. Autores: Ana Cristina Valcárcel Vellardi (SEDUC/Prefeitura Municipal de Santos), Mauricio Marcolino dos Santos (UNIFESP) e Pedro Henrique Mendes Fernandes (UNIFESP)
A Prefeitura Municipal de Santos nos anos de 2019 e 2020, pautada em legislação nacional da Educação, propõe que especificidades de Santos – cidade polo da Região Metropolitana da Baixada Santista, se desenvolvam no Ensino Fundamental na rede municipal a partir do Currículo Santista. Essas especificidades são tratadas como parte diversificada e atendem à Resolução 2/2017 do Conselho Nacional de Educação.
Diante do desafio da parte diversificada constituir-se em um apêndice e tratá-la integrada às bases curriculares, várias iniciativas são realizadas pela Secretaria de Educação Municipal na direção da formação continuada de professoras e professores. Na atualização do Currículo Santista, em 2021, na apresentação, é salientado que “as marcas e a cultura local agregam sentimento de pertença e promovem cidadania”. Como destaque quanto as iniciativas, apontam-se a atualização colaborativa de cadernos intitulados “Revisitando a História e Geografia de Santos”, o recente projeto “A Cultura Oceânica: Rotas possíveis para a década”, os dois desenvolvidos pela SEDUC, e o “Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMA) nas Escolas: Olhares sobre a Mata a Atlântica – Caderno 1”, de iniciativa da SEMAM e GIZ, reunidos aqui pela convergência ao tema do Direito à Cidade e Educação. O presente ensaio pretende iluminar algumas concepções de educação que são mobilizadas com a adoção de uma base comum curricular e um corpo de conteúdos específicos sobre o território santista, e ao mesmo tempo alertar sobre qual valorização de identidade local e regional se pretende atingir, dado tratar-se de uma cidade – região com importante segregação socioespacial e com unidades escolares distribuídas em ambientes diversos, algumas com estudantes que não exercem seu Direito à Cidade, ao lado de sofrerem inúmeros impactos das emergências climáticas. Sequencialmente, são apresentados três projetos em desenvolvimento pela prefeitura na cidade de Santos, os citados acima, sob análise dos seus desafios e potencialidades, e o campo da Pesquisa-Ação como um caminho metodológico a fim de contribuir à transformação dos sujeitos da aprendizagem (professoras, professores e estudantes) e das suas realidades simultaneamente, sob o enfoque da Reforma Urbana.
Capítulo 11 | Autoritarismo brasileiro; repressão e criminalização dos movimentos e lutas populares. Autores: Mario Miranda Antonio Junior (UFABC)
O texto que segue propõe uma reflexão sobre o autoritarismo brasileiro, considerando a criminalização e repressão aos movimentos e lutas populares desde a proclamação da República em 1889. A primeira República ou República Velha (1889-1930) é o período de consolidação do capitalismo brasileiro e da sociedade de classes. Assim, buscaremos apontar na perspectiva crítica os principais elementos, forças e contradições que marcam e colocam em movimento o nosso processo histórico, destacando características essenciais de nossa formação social e modo de produção que organiza e estrutura a sociedade. Para tanto destacamos dois acontecimentos emblemáticos que embasam a nossa reflexão: a Guerra de Canudos e o Massacre do Pinheirinho. O primeiro, fundamental na consolidação da República, deu-se no sertão baiano entre 1896-1897 e consagrou-se na obra de Euclides da Cunha “Os Sertões”, referência primordial nas Ciências Sociais no Brasil, lançada há exatos 120 anos, em 1902. O segundo, trata- se de uma das mais infames chacinas cometidas pelo Estado brasileiro no século XXI, exatamente há dez anos, em janeiro de 2012, obra da Polícia Militar paulista em uma ocupação na cidade de São José dos Campos. Separadas por mais de um século, são representativas da repressão aos movimentos e lutas populares, caracterizando o padrão de dominação da burguesia brasileira, desde a República Oligárquica, passando pelo Populismo autoritário e a Ditadura militar até a Democracia burguesa. Dito isto, propomos um diálogo com alguns dos principais autores do pensamento político e social brasileiro, lançando luzes sobre o nosso processo histórico para nos ajudar nessa reflexão sobre o autoritarismo que ainda hoje paira e se avulta na sociedade.
Capítulo 12 | A cidade em disputa: conflito pela terra urbanizada e a negação do direito à cidade. Autores: Gabriela Ortega (IBDU) e Maria Carolina Maziviero (UFPR)
Os padrões de urbanização e desenvolvimento sob os quais as cidades brasileiras estão assentadas, somados aos determinantes sociais e políticos de cada contexto, tem incidido historicamente no aprofundamento da desigualdade no país. Na esteira desse ciclo histórico, a pandemia de Covid-19 agravou ainda mais as diversas feições da desigualdade nas cidades brasileiras, com a piora brutal das condições de vida pelo aumento da fome, do desemprego e do endividamento, principalmente das populações mais pobres e grupos vulnerabilizados. A paralisia e o retrocesso que marcam a política habitacional brasileira e a ausência de políticas públicas efetivas para população em situação de rua contrastam com o acentuado processo de financeirização da moradia. Sob o atual padrão de reprodução do capital, que tem na financeirização da vida seu pilar fundamental, a mercantilização da terra e da habitação como ativos financeiros globalizados impactam na efetivação do direito à cidade, sobretudo para a população de baixíssima renda. Nessa perspectiva, analisamos o caso da Ocupação Anchieta, localizada no bairro Vila Belmiro em Santos/SP, com imissão na posse expedida para julho de 2022. A ocupação tem o nome do antigo hospital psiquiátrico que funcionou naquele imóvel por 40 anos e que, após sua desativação, foi ocupado por famílias vindas da periferia da cidade em busca de moradia digna em área bem localizada. Hoje abriga 70 famílias e mais de 100 crianças, que estão sob risco iminente de ficarem desabrigadas depois de 20 anos morando no imóvel e pouco mais de 10 anos de ação de usucapião coletiva. Primeiro, analisamos as contradições que atravessam a disputa pela terra urbanizada e o acesso à moradia em Santos, por meio do caso de resistência da Ocupação Anchieta. A seguir, discutimos o potencial latente dos movimentos populares na defesa da cidade como um bem comum essencial a uma vida plena e digna. Defendemos que a sociedade civil organizada e mobilizada em torno da construção de um território mais democrático e inclusivo ameaça as estratégias mercadológicas de incorporação harmônica de comunidades, impondo um movimento de ajuste nas estratégias de legitimação ultraliberais.