por Adão Francisco de Oliveira e Sheryda Lila De Souza Carvalho
A urbanização brasileira tem acontecido em níveis e formas diferentes em suas diversas regiões, mas sempre com a lógica de modernização do território. Segundo Milton Santos, a modernização em questão foi aquela impressa após a Segunda Guerra Mundial, que manifestou e ao mesmo tempo deu condições para o desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo.
Maria Encarnação Sposito entende que a cidade concentrou a força de trabalho e os meios necessários para a produção em larga escala, o que a tornou o lugar da gestão, por comandar a divisão territorial do trabalho e por articular a ligação entre as cidades da rede e entre a cidade e o campo.
A produção capitalista estabeleceu uma articulação entre campo e cidade, ao passo que contraiu radicalmente a produção de subsistência no campo, dando lugar à industrialização e ampliando a capacidade de produção agrícola ao concentrar os meios de produção (a terra, por excelência) e especializando e mecanizando a produção. Todos estes mecanismos transformaram o campo no rural e o tornaram dependente do urbano, pois há o aumento do consumo e dos serviços na cidade. Ao mesmo tempo, estabeleceram as premissas do agronegócio.
No Brasil, este cenário de apropriação territorial pelo capitalismo se desenrolou, ao longo do século XX, no Cerrado e, em seguida, na Amazônia, ocasionando profundas mudanças nessas regiões.
O bioma Cerrado, considerado pobre e sem aproveitamento econômico até a primeira metade deste século, passou a ser inserido nas demandas da economia nacional e internacional tornando-se produtivo. Segundo Eguimar Chaveiro e Manoel Calaça, a partir da década de 1970 inúmeras lavouras de soja, cana de açúcar e criação de gado se instalaram na região, provenientes de avanços da ciência e da tecnologia, tornando o Cerrado um território produtivo. A significação do termo cerrado se modifica e, por meio da ação do capital, torna-se o lugar da prosperidade.
A geógrafa Bertha Becker chama a atenção para pelo menos três fenômenos que caracterizavam o centro-norte-amazônico no século XX. O primeiro deles dizia respeito ao conjunto das políticas públicas de desenvolvimento regional, especialmente do Governo Federal, frente ao seu conteúdo e seus objetivos. Em que pese tais políticas terem sido formuladas e implementadas ao longo de todo aquele século, foi mesmo a partir de 1960, no período identificado pela geógrafa como de integração nacional, que essas se intensificaram.
O segundo fenômeno diz respeito às contradições dessa região, especialmente a materializada no Norte e expressa na potencialidade natural versus baixa densidade demográfica versus dificuldades físicas de assentamento e transportes terrestres versus conjunto dos investimentos.
Por fim, o terceiro fenômeno diz respeito ao interesse do capital internacional em investir no Brasil em commodities e minérios e a indução desses investimentos pelo Governo Federal, via políticas públicas, para essa região.
Resulta disso uma segunda frente da velha marcha para o oeste, dinamizada a partir da década de 1960, fazendo avançar a fronteira econômica e social do país para a Amazônia Legal. Dessa forma, enquanto entre as décadas de 1960 e 1980 os grandes centros urbanos se metropolizavam no Brasil, na região amazônica (centro-norte; Amazônia Legal) as frentes pioneiras cuidavam de criar as condições para a sua exploração capitalista, articulando-a à divisão regional do trabalho a partir de sua formação socioespacial específica.
A dinâmica capitalista que se apropriou dos territórios do Cerrado e da Amazônia provocou uma reestruturação das respectivas redes urbana regionais, enfatizando o papel das cidades médias que se estruturaram diante dessa nova realidade, especialmente entre as décadas de 1980 e 2010.
As fronteiras econômicas se abriram ao capital, o espaço amazônico se valorizou por meio dos novos eixos rodoviários que se formaram, concentrando o povoamento ao longo de suas margens, desenvolvendo cidades e dando surgimento a outras, incorporando as novas vias de circulação aos já tradicionais eixos fluviais.
Nesse contexto, as cidades médias passaram por intensas modificações, estritamente relacionadas com os interesses e as próprias estratégias locacionais do capital, particularmente quanto ao acirramento da concorrência no contexto atual e a necessidade de manutenção do padrão de acumulação alcançado em décadas anteriores, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial.
Trata-se de núcleos urbanos que passaram por um processo de revigoramento oriundo da valorização econômica de produtos locais e da intensificação da pressão de serviços provenientes da abertura de rodovias de penetração. Por isso, se tornaram cidades mais consolidadas e irradiadoras de dinamismo econômico, que reafirmaram centralidades regionais orientadas pelo capital.
Tais definições fizeram dessa região um espaço contraditório, marcado pelo conflito (muitas vezes de repugnante violência física) entre o “civilizado”/pioneiro/forasteiro e o indígena/autóctone, entre a modernização e a biodiversidade, entre o capital e a sociobiodiversidade.
Bertha Becker acredita que a colonização da Amazônia foi, sobretudo, de natureza política e não se referendou em uma base científica. Fatores como a defesa da extensa fronteira nacional, a proteção de riquezas minerais, a conquista de mercados de difícil acesso e o redirecionamento de trabalhadores rurais sem terra de regiões densamente povoadas para as terras amazônicas estavam inseridos dentro do pacote de ações do governo.
O discurso oficial de integração nacional, ocupação de vazios demográficos e desenvolvimento, fez parte do plano ideológico de incorporação capitalista da Amazônia. A integração atendia a vários propósitos simultaneamente e incluía a burguesia nacional, o capital estrangeiro e o Estado Brasileiro.
Em que pese ter sido criada ainda na década de 1950, a Amazônia Legal foi um forte instrumento de organização regional nos governos militares, através da “Operação Amazônia”, que mobilizou fundos públicos e privados. ova região de planejamento determinada pela SUDAM, com cerca de cinco milhões de quilômetros quadrados e área de abrangência é constituída por nove estados da federação, sendo: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão (até a oeste do meridiano de 44º), correspondente a aproximadamente 61% do território brasileiro. A intenção era mostrar a habilidade do novo sistema político em levar adiante o desenvolvimento como potência líder do novo mundo por meio de novas estratégias para explorar seu potencial econômico.
Este período foi marcado por um modelo desenvolvimentista e de integração, pautado por políticas de ocupação de cunho geopolítico, que foi concretizado por meio da implantação de grandes projetos de colonização e de mineração e da política de incentivos fiscais voltadas, principalmente, para os grandes projetos agropecuários, viabilizando a transformação de áreas florestais em pastagens.
Face às mudanças provenientes da chamada “fronteira do capital” que, segundo Roberto Lobato Corrêa, incluía mudanças na esfera produtiva e nas relações de produção, a ocupação espontânea ou dirigida da região, a abertura de rodovias e a implantação de grandes projetos agropecuários, de mineração e hidrelétricos acarretaram transformações na rede urbana.
Nesse contexto, antigos núcleos urbanos experimentaram um novo dinamismo, ligados aos setores de mineração, indústria madeireira, siderurgia e construção civil e alcançaram a categoria de verdadeiros centros regionais. A Amazônia Oriental apresentou este cenário.
O fenômeno da desconcentração populacional se faz perceber com a perda da importância econômica da cidade de Belém face à expansão econômica da fronteira no interior e ao crescimento das pequenas e médias cidades fora de sua órbita. À semelhança do que acontece com outras metrópoles regionais, Belém tem perdido a preferência no que se refere à instalação de novos empreendimentos, pois cidades intermediárias têm oferecido vantagens mais significativas como pisos salariais inferiores, pouca fiscalização quanto aos direitos trabalhistas, terrenos menos valorizados, infraestrutura para entrada de insumos e escoamento da produção.
A reestruturação urbana e regional da Amazônia, segundo entendimento de Milton Santos, se situou em um contexto nacional e internacional, pois “o mundo encontra-se organizado em subespaços articulados dentro de uma lógica global. Não podemos falar mais em circuitos regionais de produção […] temos que falar em circuitos espaciais da produção”.
Na compreensão do papel das cidades médias amazônicas, a consideração do contexto regional prevaleceu diante da influência que essas cidades receberam e exerceram do cenário em que se inseriram. Nesse aspecto, acompanhando o raciocínio de Flávio Villaça sobre a constituição do espaço intraurbano, diferentemente dos estudos metropolitanos, em que o deslocamento e localização da força de trabalho no interior do espaço urbano definiram em sua maior parte a dinâmica urbana, nas cidades médias essa importância possuiu um menor peso quando comparada à circulação de mercadorias em geral (capital constante, energia, informações etc.) no contexto regional. Daí o estudo da cidade média ser também e, ao mesmo tempo, um estudo de uma dada dinâmica sub-regional.
As cidades médias do cenário amazônico passaram a funcionar como anteparos e suportes às metrópoles regionais, não compondo junto com estas uma unidade funcional contínua e/ou contígua. De um lado, o reforço da metrópole dispersou como parte do processo de “metropolização”; de outro, a proliferação de pequenas cidades e o crescimento dinâmico de novos núcleos urbanos – as “cidades médias” – que, na Amazônia, cumpriram o papel de centros regionais.
São exemplos as capitais de alguns estados, como Rio Branco (Acre), Porto Velho (Rondônia), Boa Vista (Roraima), e outras cidades como Marabá, Santarém e Castanhal, no Pará, e de Imperatriz, no Maranhão. Em que pese essas cidades estarem localizadas em mesorregiões diferentes da Amazônia, foi mesmo na Amazônia Oriental que a expansão do fenômeno urbano no território se configurou de maneira diferenciada, comparado à Amazônia ocidental.
A Amazônia Oriental, em particular, tendeu a acompanhar um processo verificado há algum tempo no restante do território brasileiro. Como discutido por Milton Santos na célebre obra A Urbanização Brasileira, as grandes cidades apresentaram taxas de crescimento econômico menores do que as suas respectivas regiões, repercutindo no maior dinamismo e importância dos outros níveis de cidades, como as cidades médias.
Há hoje na Amazônia brasileira (o que inclui o Tocantins e a predominância em seu território da savana Cerrado) são 83 municípios médios e/ou com população igual ou superior a 50 mil habitantes que tiveram o seu crescimento demográfico impulsionado especialmente nas últimas três décadas.
Alguns desses municípios se destacam por possuíram em média uma taxa de urbanização de 86%, sendo que oito deles superaram o percentual de 90%, como são os casos de Araguaína (TO); Imperatriz (MA) – ambos localizados na porção oriental da Amazônia; Gurupi (TO); Rondonópolis (MT); Várzea Grande (MT); Santa Inês (MA); Castanhal (PA) e Vilhena (RO). Todos acima da média nacional, que é de 81,2% de taxa de urbanização. Os municípios de Gurupi e Várzea Grande apresentaram taxas de urbanização bem próximas às maiores da Amazônia, que são as de Manaus (AM) e Belém (PA).
Os territórios não metropolitanos, dos quais se destacam as cidades médias, compõem a dinâmica econômica atual e têm sido relevantes nas últimas décadas para a reestruturação urbana e regional do território brasileiro, devido ao desempenho produtivo desta categoria de cidades para a economia, apresentando os requisitos necessários às novas necessidades de alocação do capital.
A dinâmica capitalista que se apropriou dos territórios do Cerrado e da Amazônia provocaram uma reestruturação das respectivas redes urbana regionais, enfatizando o papel das cidades médias que se estruturaram diante desta nova realidade.
As fronteiras econômicas se abriram ao capital, o espaço amazônico se valorizou por meio dos novos eixos rodoviários que se formavam, concentrando o povoamento ao longo de suas margens, desenvolvendo cidades e dando surgimento a outras, incorporando as novas vias de circulação aos já tradicionais eixos fluviais.
Nesse contexto, as cidades médias passaram por intensas modificações, estreitamente relacionadas com os interesses e as próprias estratégias locacionais do capital, particularmente quanto ao acirramento da concorrência no contexto atual e a necessidade de manutenção do padrão de acumulação alcançado em décadas anteriores, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial.
Trata-se de núcleos urbanos que passaram por um processo de revigoramento oriundo da valorização econômica de produtos locais e da intensificação da prestação de serviços provenientes da abertura de rodovias de penetração. Por isso, se tornaram cidades mais consolidadas e irradiadoras de dinamismo econômico, que reafirmaram centralidades regionais orientadas pelo capital.
Adão Francisco de Oliveira é Doutor e pós-doutor em Geografia, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFT, pesquisador do Núcleo Goiânia do INCT Observatório das Metrópoles e atual presidente da ANPEGE – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia
Sheryda Lila De Souza Carvalho é Mestre em Geografia pelo PPGG-UFT, professora de Geografia do IFMA – Imperatriz-MA e doutoranda em História pela Unisinos.